Mystic Messenger ❤ Learn To Love Like You

Meu nome é Marie Donatienne Flores, nascida e criada na cidade de São Paulo. Minha mãe possui ascendência francesa e meu pai é de ascendência indígena e africana. Havia me mudado para a Coréia em 2014, era recém-formada em Comunicação e Marketing no Brasil e após muita procura consegui um estágio na C&R International e decidi tentar uma vida nova em um país estrangeiro. Nunca fui muito aventureira, mas aquela oportunidade me pareceu bastante enriquecedora, tanto para o currículo como para o bolso. Era um salário bem generoso para um estágio, especialmente considerando minha então dificuldade inicial com o idioma.

Minha família mais próxima era meu pai e sua irmã. Ela passou a viver conosco depois que minha mãe faleceu em um acidente de trânsito quando eu tinha 12 anos. Enquanto eu estava na faculdade, meu pai conheceu outra mulher e se mudou para o interior com ela, mas preferi ficar com minha tia até terminar os estudos. Eu gostava de morar com ela, ela sempre me mimou muito e era quase como uma segunda mãe pra mim, mas tendo em vista o estágio, comecei a trabalhar a ideia de mudar de ares e tentar construir uma vida nova no exterior. Fui para lá sem levar quase nada, apenas minha mala de roupas, um dinheiro da minha tia para começar a vida lá e o endereço do apartamento que havia alugado lá do Brasil. Junto com o estágio foi oferecido um curso de coreano no qual consegui adquirir bastante conhecimento e certa fluência na língua.

Durante esses três anos pude crescer dentro da empresa e cheguei até a ser promovida em meu departamento, mas por um repentino corte de funcionários e uma possível inimizade com uma superiora direta, perdi meu emprego e em parte minhas esperanças de conseguir algum sucesso naquele país estrangeiro.

A minha sorte foi ter economizado bastante meus salários até ali, só gastava com comida para mim e alguns maços de cigarro. Sempre poupei boa parte do dinheiro, então não fiquei totalmente a mercê nos meus primeiros meses. A princípio cogitei seguir a vida ali e procurar outro emprego, estava acostumada com o ritmo frenético, mas acordar cedo na manhã seguinte foi uma tarefa homérica.

Descobri que não sentia vontade de procurar mais nada, nem sequer sentia vontade de voltar ao Brasil com aquela derrota evidente. Senti o baque da demissão como se fosse algo pessoal, talvez até por ser brasileira. A solidão que eu cultivara ao me dedicar apenas ao trabalho foi o que me ferrou mais. Passei dias sem sair de casa, e sequer me alimentei ou tomei banho durante algum tempo. Foram momentos terríveis, achei que fosse morrer de inanição ou mesmo de alguma doença que iria me infectar por tantos dias sem sair da cama.

O tempo parecia não correr naquele lugar, os dias chuvosos e noites quentes eram todos iguais. Em minha casa não tinha televisão, então apenas ouvia os ruídos das transmissões que vazavam pelas paredes dos meus vizinhos. Tudo me parecia um grande borrão até ouvir um grande estrondo vindo da minha porta da frente. Ouvi vozes apressadas me dizendo que ia ficar tudo bem. A senhora Jeong, que era minha vizinha de frente, e sua filha Jun ficaram preocupadas com minha falta de movimentação e decidiram verificar se eu estava bem.

Quando dei por mim estava deitada em uma cama que não era minha, tomando soro na veia com uma dor de cabeça terrível. Elas me acolheram em sua própria casa e tentaram segurar aquela barra junto comigo por um tempo. Na realidade, precisava retomar minha própria vida, ou ao menos o que havia restado dela. Fiz algumas sessões de terapia e comecei com o acompanhamento psiquiátrico. Me sentia uma garotinha novamente, como se não soubesse cuidar sequer de mim mesma. As menores funções diárias ainda pareciam pesar depois de tanto tempo.

Era o primeiro dia em que eu voltava para o meu apartamento depois da crise. Cinzas e poeira para todos os cantos, mas eu não tive muito tempo para olhar para aquilo. Meu celular começou a vibrar e uma série de mensagens apareceram na tela em um aplicativo de mensagens que eu não me lembrava de ter baixado. Parecia ser um estudante coreano que estava com um celular perdido e queria “ajudar” quem quer que fosse a encontrar o proprietário do celular. Ele disse que havia encontrado o celular em uma estação de trem, mas aquele aplicativo ainda me parecia suspeito. Por fim o rapaz me mandou uma foto dele e um endereço e pediu que fosse até lá checar se a “pessoa que perdera o celular” morava lá. A área era bastante conhecida por ter apartamentos de luxo, mas eu nunca havia visitado. Meu lado racional dizia: “Não vá lá, isso é obviamente um trote.”

Observei meu apartamento por mais alguns segundos antes de responder, mas a vontade de fugir dali foi maior. Não me importava o motivo, eu só queria uma boa razão para não ter que ficar sozinha de novo. Peguei minha bolsa, juntei a carteira, o celular, meu maço interminado de Lucky Strike, e minha faca borboleta caso algo desse errado. Era ridículo, mas eu não via o menor sentido em ficar naquele lugar empoeirado por mais do que alguns minutos. Peguei um taxi até o lugar que a mensagem mandava e logo comecei a me questionar se aquilo seria a coisa certa a se fazer.

Confesso que foi bastante impulsivo da minha parte, mas realmente faria qualquer coisa para não lidar com as consequências de tudo que fiz antes de ir para o hospital. Teoricamente não precisava me preocupar, era só uma visita rápida para encontrar o dono do celular perdido, não esperava que fosse passar mais do que 15 minutos ali.

Era um condomínio de luxo, bem diferente do que eu estava acostumada com um pé direito bem alto e móveis de madeira de verdade. Nada de paredes falsas ou móveis de MDF, e sim um belo lustre que iluminava o hall de entrada. Estranhamente não havia porteiro ou sequer alguém presente. Apenas câmeras de segurança com suas luzes vermelhas mirando-me. Corri na direção da porta e bati com cuidado, mas não parecia haver ninguém ali, o número desconhecido então me enviou o código para que eu pudesse entrar. Apertei os botões numéricos com a senha que eu havia recebido, suspeitando já desse tal desconhecido e entrei cautelosamente no apartamento. Deixei a faca no jeito para ser sacada enquanto empurrava a porta.

— Com licença? Tem alguém aí? — perguntei já sentindo uma pontada de desespero, aquilo poderia ser uma cilada.

Adentrei um apartamento pequeno e organizado, podia ver armários de metal ao lado de uma cama de casal. Uma mesa e um computador, e mais armários por toda parte. Pela fina camada de poeira  que cobria os móveis era visível que aquele apartamento não recebia visitas já há tempos. Fiquei um pouco confusa a princípio, mas comecei a escrever o recado avisando sobre o celular. Apoiei meu celular na mesa e procurei por uma caneta, não obstante o aparelho começou a vibrar enlouquecidamente. Quando pude apanhá-lo vi que estava em um chat com mais pessoas naquele mesmo aplicativo, que aparentemente puxou meu nome e minha foto de meu perfil em uma rede social. Não era uma foto agradável, tendo em vista que eu detestava tirar fotos, então costumava colocar obras de arte expressionistas ou com temáticas abstratas. Sobre o que raios eles estão falando, oras “Nepotismo”?

— Alguém entrou no chat;; — disse um deles.

— Donatienne? — perguntou o usuário “Jumin Han”.

— wtfff como essa pessoa entrou aqui? — continuou outro usuário “Zen”

— Hacker! — todos concordaram.

Terminei de escrever o bilhete, mas continuei observando as mensagens correndo na minha tela e o desespero de todos parecia ter tomado conta do chat.

— Olá;; — digitei ainda confusa, agora tentando encontrar respostas para aquilo que estava acontecendo.

Fui informada através das mensagens deles que estava no apartamento de uma tal Rika e que teoricamente ninguém sabia o endereço. Bom eu estava lá, não é mesmo? Aparentemente era uma cilada mesmo, mas talvez não para mim. Deixei minha ousadia tomar conta de mim e procurei uma janela pela qual pudesse fumar sem ativar os detectores de incêndio no teto. O chat seguia, todos desesperados para saber quem eu era e depois de alguns minutos decidi dar a eles o ar da minha presença.

-Eu hein, vocês que digam quem são primeiro! Eu que não estou entendendo mais nada aqui...

Que monte de gente chata, eu que to aqui perdida e ficam me acusando de ser Hacker. Meu amor, nem que quisesse muito conseguiria baixar qualquer coisa alem do “Zapzap” no celular. De qualquer forma eles seguiram se apresentando, primeiramente Zen, um ator quase famoso, cujo nome me era familiar. Talvez uma nota de canto numa dessas revistas que ficam perto do caixa do supermercado, talvez eu tenha ouvido na televisão da senhora Jeong, não sei dizer. Poderia se dizer que ele é quase tão famoso quanto um ex-bbb no Brasil? Acredito que sim. Mandou um selfie já de cara, já foi agredindo meus olhos com fotos inesperadas.

—Socorro… —murmurei para mim mesma, sorrindo. —Temos uma estrela aqui.

O outro me apresentou um codinome 707, mas eles continuaram se zoando ao infinito antes de me revelarem o que eu já havia deduzido pela conversa anterior. Ele era um hacker, e possivelmente um bom hacker pois já rastreara até o meu IP. Fiquei um pouco aflita com aquilo, mas decidi jogar o joguinho deles enquanto eu terminava de fumar meu cigarro com o pé meio apoiado no vaso sanitário e a mão para fora da janela. Quem diria,que eu estaria num apartamento estranho falando com estranhos num chat com o pé apoiado numa privada. Bati as cinzas no parapeito e dei descarga na bituca, bastante irresponsável, eu sei. Andei em direção a sala e me sentei novamente, continuando as apresentações.

Um garoto mais novo, Yoosung Kim, um estudante universitário e aparentemente eu era a mais velha daquele chat até o presente momento.

—Wow, outro selfie. —suspirei observando a pequena tela. —Mas que carinha de criança esse daqui… Todos eles são bonitos não pode ser!

Em seguida 707 apresentou os dois faltantes como Jumin Han, um herdeiro de uma companhia, supostamente famosa na Coreia, e sua assistente Jaehee Kang. Bom ao menos eles são da minha idade, me sinto um pouco menos pior, mas aposto como os dois são lindos. Ele é um herdeiro rico, não deve ter problemas com acne aos 27 anos, como eu tenho.

Por fim me interrogaram sobre como eu conseguira acesso à sala, mas nem eu mesmo sabia exatamente como eu tinha tido acesso a sala de chat. Expliquei para eles que eu havia recebido um endereço de um telefone estranho, dizendo que havia encontrado um celular. Expliquei que não conseguia recuperar o histórico de mensagens e que o nome do usuário era marcado como “Desconhecido”. Não parecia ser de muita ajuda para eles. Vasculhei meu cérebro tentando descrever a foto que ele havia me mandado, mas as feições eram muito vagas, e poderia ser uma foto qualquer.

Aos poucos aquela conversa ia me intrigando, eles pareciam genuinamente preocupados com a minha invasão. Mas eu tentei de algumas formas provar que eu não era realmente uma ameaça, mas que talvez não devesse ficar por ali observando as conversas deles. Mas logo eles me explicaram que eram de uma organização que arrecadava fundos para obras de caridade, para isso realizavam grandes festas beneficentes. Aos poucos a conversa foi tomando um rumo estranho e eu fui incisiva.

— Olha, eu estou aqui na casa de uma pessoa estranha, conversando com um monte de estranhos. Não sei se me sinto confortável com tudo isso.

A conversa continuou seu curso até que eles conseguiram contatar V, o líder da organização. Era um moço de cabelos azuis, como mostrava a foto de perfil e ele parecia mais calmo que os outros membros. Foi ele quem sugeriu que o fato de eu estar naquele apartamento era possivelmente o desejo de Rika. Que ela haveria de ter planejado aquilo para que alguém continuasse a organizar as festas e fazer o serviço do mesmo lugar onde ela esteve. Houve um pouco de controvérsia, mas todos pareceram concordar, exceto a outra garota, Jaehee. Eles pareciam agir totalmente por impulso, chamando o chefe deles para a conversa e tentando a todo custo me convencer daquela loucura. Entretanto mesmo V parecia convencido que eu deveria fazer parte da organização, mas logo ele nos deixou novamente pedindo a Jumin que cuidasse das coisas.

— Eu não sei, pessoal… Eu preciso retomar minha vida.— digitei rapidamente, tentando explicar a situação. — Vocês todos parecem pessoas ok, com suas vidas em ordem. Acabei de ser demitida do meu emprego e...

Yoosung★ - É sério, Dona? ;-; que triste!

Donatienne - Por que vocês estão me chamando de Dona!?

Zen - Porque você tem cara de Dona! Aliás eu não sei qual é sua cara na realidade. Seven você viu a cara dela?

707 - Vamos ver o que temos aqui… OMG ela é gata.

Donatienne - PAREM!

Zen - MANDA A FOTO!

Donatienne - NAO

Jumin Han - Acho que você quis dizer “Não”, Donatienne.

Zen - MANDA NUDES :DDD

Jaehee Kang - Vocês estão constrangendo ela, gente! Parem de brincadeira.

707 - Bom a foto de perfil dela é tipo uma pintura de um monstro.

Zen - Será que ela é um monstro?( ͡° ͜ʖ ͡°)

Yoosung★ - Você não é um monstro né, Dona?

Donatienne - Talvez eu seja.

Jumin Han - Sei bem que estão todos entusiasmados com a presença de Donatienne, mas temos que resolver a questão mais fundamental aqui.

Yoosung★ - Eu quero ver a fotooooo ;;

Jaehee Kang - Realmente acham uma boa idéia chamar uma completa estranha para a associação?

Zen - Mas a Rika planejou tudo isso!

Donatienne - Vocês são doidos.

Jumin Han - Eu acho uma boa idéia ter alguém novo, acredito que nos motivaria a realizar as festas novamente.

Donatienne - Varridos.

707 - Donatienne, você aceita fazer parte da R.F.A.?

Donatienne - Caras…

Yoosung★ - Sim?

Donatienne - Aaaaaaa eu preciso pensar. Não estou certa disso.

Jaehee Kang - Temos aí uma boa resposta. Creio que não seja nada fácil tomar esse tipo de decisão do nada. Especialmente por você não nos conhecer pessoalmente.

707 - Estou abrindo o cadastro dela.

Donatienne - OQ

Yoosung★ - Vai ser tão legal! Mal posso esperar pra termos festas de novo.

Donatienne - Não disse que aceitei.

707 - Sabemos que você está desempregada, então não é como se estivesse muito ocupada no momento. Além do mais, você não está fazendo planos de voltar para o Brasil.

Donatienne - Não eu... Espera aí!

Zen - A Dona é brasileira?

Yoosung★ - aaaaa tão legal! Você sabe fazer caipirinha, Dona?

Zen - Agora posso imaginar melhor.

Donatienne - Nem

Donatienne - Pense

Donatienne - Nisso

Zen - Já estou pensando, senhorita.

Donatienne - Ok ok, eu ajudo vocês com a festa, mas chega de falar dos meus dados aqui por favor ;;

Jumin Han - É uma sábia decisão, Donatiénne.

Yoosung★ - OBA!

Jaehee Kang - Já que vocês estão nessa loucura, inclusive o senhor Han, não me resta nada além de concordar com isso.

Observei as coisas ao redor, tão organizadas e limpas e pensei no meu próprio apartamento. Tive tanto trabalho arrumando aquele lugar e agora estava num outro prédio, observando a mobília bem feita. Era tudo tão incerto e pouco a pouco me questionava o que aconteceria se eu fugisse dali.

— Mas V disse que eu não poderia tocar nas coisas aqui, vocês não esperam que eu fique aqui,né? — minha questão mais pertinente até aquele momento.

Pensei no cigarro que apaguei e joguei no vaso, será que aquilo poderia ter ativado algum alarme?

— Acredito que será melhor se você permanecer aí para que consiga se concentrar nos assuntos da festa. — respondeu Jumin, com aquele jeito muito correto de se expressar.

— Ainda precisamos nos organizar quanto a data, mas acho que V vai voltar a falar com a gente. — comentou Zen. — Além do mais, acho que ele quis dizer dos itens pessoais dela e os arquivos confidenciais, e não absolutamente tudo!

— Obrigada. Espero conseguir ajudar vocês. — respondi sentindo-me um pequeno fardo para eles.

Jaehee se encarregou de me explicar melhor como funcionaria o sistema da festa, mas eu não parava de pensar se conseguiria ficar lá durante tanto tempo. Ou mesmo sobre a questão da minha subsistência lá. Depois de experimentar bastante no aplicativo, finalmente consegui entender melhor os atalhos e suas funcionalidades, ela e os outros membros haviam se desconectado quando eu terminei.

Eu ainda precisava voltar ao meu apartamento para pegar minhas coisas, aquele era só o começo da encrenca.