Arte da capa por: Hey!
Yuri Plisetsky é um rapaz novo. No auge dos seus 20 anos, a vida nunca foi mais patética. Morava sozinho em Moscou, após a morte de seu avô. Trabalhava o dia inteiro em uma loja de acessórios para telefone. Em meio às capas de celular e fones de ouvido, o corpo magro se escondia com um pequeno caderno. O papel das folhas era rabiscado sem qualquer cuidado ou pena pelos dedos rápidos do rapaz.
In her heart there's a hole.
Mais uma vez, e outra. Ele escrevia. Escrevia músicas. O peito ressonava e seu coração saltitava. Um cliente ou outro as vezes atrapalhavam sua inspiração. Mas eram incontáveis as vezes que os mesmos eram sua melhor fonte. Não é como se ele não tivesse inspiração por conta própria. Ele nunca teve. Sentia como se fosse um buraco. Não sabia com o que preencher esse buraco, talvez a música ajudasse. Não ajudava. Nunca ajudou. Ele não se importa. Elas não se importam.
There's a black mark on her soul.
Era como se ele tivesse sido marcado. Marcado pela falta de inspiração? Não; marcado pela vida. Sempre monótona, sempre comum. Não era a mais triste nem a mais feliz, apenas comum. Sem qualquer relacionamento que mudasse e girasse sua vida, apenas um ou outro completamente comum. Ele pensa que nascera marcado. Destinado a ser apenas mais um, na multidão. Tocava em um barzinho, com seu violão.
Não era um artista, conquanto ainda escrevia e tocava, por mais que se apresentasse assim. Artistas são os outros. Sua alma não era da arte, sua alma era negra. Sua alma era triste, era vazia, era comum. A depressão que corria pelas veias gosmentas é a mesma que corre pelas veias de todos os humanos como ele. Comum.
In her hands is my heart.
Seu violão era uma madeira talhada de forma quente na sua mão. A cor de seus cabelos dourados combinava de forma patética com o vermelho das paredes do local. Sentado em um banco de madeira escura, o casaco de couro abraçava seu corpo. O cheiro de canela de seu chiclete ainda estava na boca, e sua voz era afinada. Não cantava bem, apenas afinado. A voz grossa e quente era tão comum quanto sua vida. O tom quente e aconchegante, vermelho, vinho, marrom. Quente como um coração pulsante. No entanto, a música gélida e desconfortável destoava. Destoava até certo ponto. Até certo dia.
And she won't let go till it's scarred.
Era apenas um dia comum, na sua vida comum, um rapaz não tão mais velho passou pela pequena loja. Yuri sorriu, Otabek sorriu junto. Comprou mais um fone, mesmo que não precisasse. E voltou, dia após dia. O loiro das olheiras marcadas, do nariz robusto, da boca ressecada. Sua beleza tão peculiar e assustadora enlouquecia Otabek. Ele precisava de mais.
Hah!
O moreno não era nada mais que um vândalo, pensara Yuri. Com seu cabelo arrepiado, uma máscara e touca, quebrava carros e jogava bombas. Como estava enganado. Seus olhos puxados combinavam com a pele queimada de forma grotesca. Os lábios manchados pelo cigarro, as mãos grossas. Yuri se encantara. Yuri se viciara como a pior e mais crapulosa das drogas. O corpo forte manchado por hematomas de brigas excitavam o loiro. Ele precisava de mais.
Tried to plead, but I can't.
Otabek já sofrera pela vida, não o julguem. Julga-lo seria engraçado. Mesmo não sendo o estereótipo de bom moço, ele fazia bem a Yuri. Foi a primeira vez que Yuri pegou em uma arma, e seus olhos lacrimaram. Ele gritou, gritou e gritou mais. O sangue em suas mãos o assustou, e ele não parava de chorar enquanto subia na moto do moreno, agarrando seu corpo enquanto corriam pelas rodovias russas. Suas mãos cheiravam a sangue pela primeira vez. A mochila com as drogas pesava o corpo de Yuri enquanto atravessava o portão de embarque. Parte de sua alma implorava para retornar. A outra parte, queria saber até onde a ganância conseguiria leva-lo.
'Cause the ashes leaves me as damned.
Conheceu então Viktor, e pela segunda vez pegou em uma arma; o russo de cabelos cinzas gostou do que viu. Yuri ganhou um terno. Cinza como cabelo do homem que agora chamara chefe. E machucou, machucou sua alma. Mas ele não se importara. O tempo que levou para se acostumar com a rotina fora cansativo. Mas agora estava bem, já estava condenado à vida.
Got to touch like a thorn.
Apagou seus sentimentos, transformou sua pele macia e sinuosa em uma camada grossa de espinhos. Espinhos que combinavam com seus olhos fundos. Olhos marcados, olhos sem qualquer um brilho. Conversar com Yuri era pedir para apanhar. Suas palavras eram ásperas como a textura de suas mãos. Seus atos eram secos como os fios de seus cabelos. Tocá-lo era uma tarefa para poucos.
'Cause in the bush she's hiding horns.
Corria pelas entranhas da grande floresta de pedra. Chamavam-no demônio, senão monstro. Pois monstro era, e sorria com o apelido enquanto passeava pelos encanamentos abandonados. Essa foi a terceira vez que pegou em uma arma, e agora não mais hesitou. O gatilho foi puxado tão tranquilamente que o cano do revólver virou uma extensão de seu braço. E esse era apenas o primeiro mês.
She got blood cold as ice.
Quem visse Yuri após um ano que conheceu Otabek nunca o reconheceria. A arma na cintura, escondida. Em uma mão um soco inglês, em outra um cigarro. O blazer estava jogado de forma casual em seus ombros. Homem era. E era homem, e as pessoas curvavam a cabeça ao vê-lo passar. O moreno sempre o seguia, sem ao menos expressar emoções. Yuri era frio. Frio como o inverno russo, capaz de congelar até mesmo o mais potente dos vulcões. Não hesitava, não tinha medo. O sangue não era mais um problema. Essa era a centésima vez que pegou em uma arma.
And her heart made of stone.
Não acreditava no amor. Todos os dias uma pessoa diferente em sua cama. O único que repetia era o moreno. Os relevos dos dois corpos se encaixam de forma tortuosa, grosso no grosso como homens que eram. As marcas, os hematomas, os beijos. Após se cansarem, suados, a cocaína relaxava seus músculos. Eles eram viciados no corpo um do outro. Não se amavam, no entanto. Ambos eram pedra, eram rocha. Eram frios.
But she keeps me alive.
Eles precisavam do corpo um do outro como quem precisa da mais forte droga. Otabek era o único em quem Yuri confiava, por mais irônico que pareça. Eles mantinham um ao outro vivo. E então quando Yuri sumira, Otabek jurou ir até o inferno busca-lo. Não precisou ir longe, nem matar muitos. Logo o corpo do outro já estava grudado ao seu, e se amaram em cima do sangue de um certo canadense, gemendo e gritando palavrões a todos os ventos.
She's the beast in my bones.
Viktor não gostava do que via. Seu melhor subordinado já estava entranhado nos ossos de Yuri. Chegou a cogitar se Otabek obedeceria mais a ele ou ao loiro. A arma apontada para sua cabeça foi a resposta. Otabek não vivia mais sem Yuri. Ele era como um demônio, uma droga que penetrava seu corpo. Já estava preso a cada molécula de seu ser, e era a matéria que fortalecia seus ossos para correr. O gatilho nunca foi tão macio. Nesse dia, o Japão ficou de luto.
She gets everything she wants.
Yuri queria mais. O dinheiro nunca fora tão fácil. Matar nunca fora tão divertido. O sangue nunca fora tão agradável. Roupas, joias, drogas, bebidas, carros, putas e jogos. Passava seus dias alternando entre o sangue e o cassino. Os carros de luxo, toda sua grife. Ele queria mais. E Otabek dava. Não importava quem precisava matar para conseguir isso. Os corpos suados, as juras profanas que em seu fundo tinham amor.
When she gets me alone.
Eles não se viam mais sozinhos. Um sempre com o outro, e não tinha como não ser assim. Não eram poucos os que queriam suas cabeças presas à parede. Yuri ainda saia com outras pessoas. Otabek observava a cama onde jurava amor a Yuri ser tomada por homens de todas as etnias. Ele era chefe de Yuri, mas Yuri mandava. Yuri o deixava sozinho, e Otabek enlouquecia.
Like it's nothing.
Mas Yuri não se importava. Na verdade, ele gostava de ver o moreno sufocado pelo ciúme. Ele não considerava Otabek qualquer coisa senão um passatempo. Foi-se o tempo que escreveu músicas em nome de seu corpo. O mais velho lia e relia aqueles textos, nem parece que mal passara-se dois anos. Enquanto ouvia o menor foder no quarto que tanto se amaram. Ou o amor foi apenas da parte do moreno, mas agora já não era mais nada.
She got two little horns.
Yuri era um homem peculiar. Ainda tocava seu violão, mas agora seu corpo era regado pelo mais caro uísque e tocava sentado no mais caros dos sofás. O luxo nunca fora tão acessível, e Yuri nunca se sentiu tão lixo. Tão desumano. Tão mais perto que costumava ser chamado, de cachorro do demônio. É claro, para as pessoas ele ainda era subordinado de Otabek. Mal sabiam que o moreno andava de quatro atrás do chão que Yuri pisava. E ambos estavam bem com isso.
And they get me a little bit.
Otabek se sentia realizado ao ver seu loiro desfilando com casacos de pele de chinchila, sapatos de couro de cobras em extinção. Era excitante. Yuri mudou Otabek. Mudou para melhor, na opinião de ambos. Mas o moreno ainda tinha medo. Medo de Yuri. Seus chifres já apontavam para fora, prestes a espetar a alma. Ele era viciante como uma droga e perigoso igual. O poder nunca foi maior.
She's the find in the sin.
Não sabiam mais diferenciar pecado de perdão, os corpos eram quentes em qualquer canto. Sangue, calor, amor, morte. A violência, como pequenas gotas de sangue em uma camisa branca de linho egípcio. Pertenciam um ao outro e ao pecado. Os cabelos de Yuri já estavam longos, e Otabek os puxava. Puxava enquanto gemia, enquanto gritava. O som do baque de seus corpos era como um tambor no escuro.
And I burn breathing her in.
A polícia não vira o corpo de Yuri por completo. Apenas seus longos loiros cabelos podiam ser vistos nas gravações. O corpo com poucos músculos estava coberto sempre por longos casacos. Após uma chacina feita pelo loiro, um pequeno papel foi encontrado. Apenas o final de seu sobrenome, Plisetsky, podia ser lido. Com isso, eles o chamavam de “Lady Sky”. Yuri não demorou a ficar sabendo disso, e riu. Riu tão tranquilamente que Otabek se sentiu inebriado pelo outro. Ele queimava. Queimava de amor.
Now it's left suicide.
Yuri não se importava. Não havia mais volta. Traçaram um caminho em direção ao beco, seu fim estava próximo. Estavam cansados de fugir, apenas queriam a companhia um do outro. Essa seria a última vez que pegara em uma arma, jurou Otabek. Abraçado a Yuri, o gatilho não foi apertado. Não era hora de se matarem, não conseguiram. Não tinham mais o que fazer, a polícia arrombou a porta. As algemas geladas nunca foram tão incomodas, e em silêncio entraram no camburão.
And I sell my soul for the hive.
Não eram os únicos, no entanto. Queriam ver o outro bem, e delataram. Contaram tudo. Todos os esquemas, todas as mortes. Das bocas saíram os mais profundos segredos dos maiores mafiosos do mundo. Com isso, afastaram a pena de morte. Presos ainda que em celas separadas, o alívio de ver o outro vivo ainda era maior. O inferno já era diário, e a humilhação constante.
Truth be told, I don't mind
Eles não ligavam. Já estavam mortos por dentro. Foi em uma rebelião que conseguiram sair do lugar que chamavam inferno. Irônico, Yuri chamava-se demônio. Embrenharam-se no mato, apenas corriam sem qualquer direção. Todos os bens estavam reclusos, mas isso não os impediu de usar a força. Com o pouco dinheiro que conseguiram fugiram para longe.
'Cause she helds my Paradise.
Eles tinham apenas um ao outro e seus corpos. Suados, a dor de deixar tudo para trás. O luxo fora embora. Eles se sustentavam pelo amor, um viciado no outro. Não viviam mais separados. As mãos grudadas no frio do Cazaquistão. Estavam no interior, cuidavam de bois e iaques. Quem via, nunca imaginaria o passado dos dois. Poderiam passar o resto de seus dias vivendo daquele modo.
She can crush every horn.
Mas Yuri não aguenta ficar longe do luxo, da cidade, das joias. Não aguentava usar aquelas roupas fedidas, não aguentava morar em uma barraca como nômade. Não podiam ir para a cidade, estavam sob os olhos vigilantes dos inimigos que haviam denunciado. A polícia não era um problema; para eles, estavam mortos. Eles precisavam ficar. Yuri estava surtando. Otabek surtaria junto. E então partiram. E dessa vez, o Cazaquistão ficou de luto. E novamente seus dedos tocaram em armas. Matariam quem quer que ficasse em seu caminho.
Got her heels tapping down my throat.
As palavras voltaram à boca de Yuri quando calçou um salto. O dinheiro voltou a entrar. Porém o medo era constante. Não saiam mais nas ruas escuras. Viviam trancados, o medo, o pavor, a paranoia. Paranoia. Durma com um olho aberto, era o que Otabek dizia. A arma ficava sempre em suas mãos. Qualquer barulho os assustavam. De que adiantava todo o dinheiro do mundo? Não podiam o gastar fora de suas casas. Ninguém mais o respeitava.
She got blood cold as ice.
As ameaças eram constantes. Tentaram formar alianças, ninguém iria confiar em alguém que delatara tudo e todos. Estavam sozinhos. Medo. Yuri chorava todos os dias. Deveria ter ficado apenas no barzinho. Mas não conseguiria viver sem Otabek. Na frente de todos, o sangue gelado corria de forma pegajosa enquanto as lágrimas pintavam seu rosto da mais escura aquarela.
And her heart made of stone.
Otabek não se importava mais. Vivia como uma máquina, a rotina o atingira. Fazia agora cinco anos que conheceu Yuri. Não estavam velhos, mas o cansaço vencera. Cansou de fugir, cansou de ter medo. Tentou suicídio pela segunda vez. A dor crescia em seu peito, o atormento, não aguentava mais. Falhou, e Yuri chorou. Não viveria sem o outro. Não tinha vida. Traficava drogas à preços ridículos para se manter. A vida no interior da Ucrânia nunca foi tão solitária.
But she keeps me alive.
Estava cansado de viver. Estava cansado de correr. O Japão buscara vingança, e o corpo de Yuri fora violado. Os Katsuki levaram à sério a expressão do estupro de nanquim. Otabek chorou. O gatilho fora puxado pelos seus dedos pela milésima vez. A milésima bala atingiu o peito do seu inimigo e o corpo de Yuri. Otabek desesperou-se, gritou, chorou.
She's the beast in my bones.
Yuri não sorria mais. Seu corpo estava gelado. Não estava morto, no entanto. Otabek conseguira salvá-lo. Chorou abraçado ao corpo magro. Não aguentavam mais. Ninguém aguentaria. A dor era crescente. O nojo percorria cada pequeno centímetro de seus ossos. O abraço não era quente, e Yuri perguntara-se se teria valido a pena. Abandonara tudo por um amor tão perigoso, e agora seu próprio sangue manchava suas roupas. Ele era um demônio, e Otabek ainda era viciado. Viciado em sentir o calor de seu corpo nu, e gemer com isso.
She gets everything she wants.
Mais uma vez fugiram. Fugiram e fugiram, com a arma em punhos. O trajeto era marcado pelo sangue. Yuri queria viver. Yuri sempre tinha o que ele queria. Dessa vez, seria diferente. Otabek comandava, Yuri não questionava. As olheiras fundas combinavam de forma nojenta com os cabelos desgrenhados e os lábios rachados. A pele manchada, a tosse. Estavam doentes, uma doença vinda do Japão diretamente para seus glóbulos brancos. O vírus letal os atingira.
When she gets me alone.
Precisavam dos remédios, a tosse era frequente. Outras doenças iam e vinham, e os matavam aos poucos. Não aguentavam mais. A doença é uma zona noturna da vida, mata aos poucos e é invisível. É nova, silenciosa. Quando viram, já era tarde. Portavam. Não podiam mais ficar longe um dos outros. As lesões das drogas começaram a atingir seus corpos, como castigo. E então definharam.
Like it's nothing.
Não havia passado mais de 8 anos que se conheceram. A doença realmente os atingira. Não tratavam, não cuidavam. Não podiam. As ameaças ainda existiam, e o medo era seu companheiro. Os dois pareciam velhos, maltrapilhos, maltratados, pelo medo e pela moléstia. Tossiam e riam juntos, riam de desespero. Não queriam mais viver. Não queriam.
She got two little horns.
A decisão veio fácil para Otabek. A arma estava novamente nas mãos, tentou suicídio pela terceira vez. Yuri chorou, e a morte não veio. Lágrimas eram derramadas em meio ao sangue e ao vômito. Nojo, pegajoso. Baratas, lacraias, insetos, pegajoso e grudento, gelado. O vômito subiu pelas entranhas e eles viviam escondidos como seres do esgoto, trancados em uma casa minúscula no meio do nada.
And they get me a little bit.
O suicídio veio de forma diferente. Pararam de comer, de tentar arrumar remédios. Pararam de ao menos tentar viver. Uma batida na porta.
She got horns like the devil.
Duas, três. A porta foi esmurrada e arrombada. Os seguidores de Viktor entraram, jurando vingança.
Pointed at me, and there's nowhere to run.
Não tinham mais para onde ir. A arma estava apontada para suas cabeças. Eles sorriram e se abraçaram.
From the fire she breathes.
A morte abraçou seus corpos de volta, estavam juntos, queimariam juntos.
She got two little horns.
Eles se amararam até o fim.
And they get me a little bit.